quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Recordações e Neurônios


Neurônio especial controla a chegada de informação do ambiente ao centro cerebral em que se formam as recordações
Células OLM infectadas com vírus que produz proteína fluorescente
Um grupo de pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos e da Suécia identificou a função de um tipo especial de célula cerebral que havia sido descrito quase um século atrás pelo médico espanhol Santiago Ramón y Cajal. Essas células, que recebem o nome complicado de neurônios oriens lacunosum-moleculare (OLM), estão no hipocampo, estrutura profunda do cérebro associada à aquisição da memória. Como uma ponte que une as duas margens de um rio, os neurônios OLM colocam as células da camada mais superficial do hipocampo em contato com as das áreas mais profundas. Mas nesse tempo todo o papel dessas células permanecia obscuro. Agora, em um artigo publicado na edição de 7 de outubro da revista Nature Neuroscience, o neurocientista mineiro Richardson Leão demonstrou que os neurônios OLM são uma espécie de porteiro da memória.
“Conseguimos isolar e manipular essa população de neurônios”, conta Richardson, pesquisador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Usando técnicas de biologia molecular, ele e pesquisadores da Universidade de Uppsala, na Suécia, identificaram uma proteína que é produzida exclusivamente por esse tipo de neurônio. Em seguida, eles desenvolveram camundongos transgênicos em que marcaram essa proteína com outra vermelho-fluorescente. Eles também inseriram no animal transgênico uma terceira proteína que, acionada por pulsos de laser, colocava o neurônio em ação.
Nos experimentos, eles observaram que, uma vez ativados, os neurônios OLM bloqueavam a chegada de informações sensoriais do ambiente ao hipocampo e acionavam os mecanismos químicos de recuperação das informações armazenadas no cérebro. Um exemplo pode ajudar a entender. Quando alguém caminhando na rua vê um conhecido, a informação captada pelos olhos chega à região mais superficial do hipocampo. É aí que os neurônios OLM entram em ação. Ao transferir essa informação para a área mais profunda, esses neurônios ativam o mecanismo de recuperação da memória – que permite, por exemplo, lembrar quem é mesmo o fulano –, mas impedem a chegada de mais dados do ambiente. “Os neurônios OLM desligam um circuito e ligam outro”, conta Richardson, que também trabalhou em colaboração com pesquisadores da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos.
Artigo científico
LEÃO, R. N. et al. OLM interneurons differentially modulate CA3 and entorhinal inputs to hippocampal CA1 neurons. Nature Neuroscience. 7 de out. 2012.
Leia mais no artigo: O porteiro da memória de RICARDO ZORZETTO 

Células-tronco novo Nobel de Medicina

John Gurdon 

John Gurdon e Shinya Yamanaka mostraram que células adultas podem voltar a estágio imaturo
Inaugurando a série de anúncios do prestigioso Nobel, o Instituto Karolinska, na Suécia, anunciou hoje (8/10) pela manhã o prêmio de Fisiologia ou Medicina. Os ganhadores são o britânico Sir John Gurdon e o japonês Shinya Yamanaka, por mostrarem que células maduras podem ser reprogramadas e se tornarem outra vez pluripotentes, ou capazes de gerar uma série de tecidos diferentes do organismo.

Por coincidência, este ano comemora o cinquentenário de dois acontecimentos centrais na premiação: o artigo em que Gurdon estabeleceu os alicerces da descoberta e o nascimento de Yamanaka. “Tive sorte de sobreviver o suficiente para ter essa incrível honra”, disse o britânico em entrevista a Adam Smith, do site do Nobel. O pesquisador ainda era estudante de pós-graduação quando substituiu núcleos imaturos de óvulos de rãs pela mesma estrutura retirada de células intestinais adultas. O grande achado foi verificar que os óvulos alterados deram origem a girinos normais, prova de que mesmo células maduras têm toda a informação genética necessária para desenvolver um organismo inteiro. Na época, não havia perspectiva de benefício imediato para a pesquisa. O objetivo era entender como funcionam as células e o desenvolvimento do organismo. E a meta continua sendo essa para o premiado, agora líder de um grupo de pesquisa no Instituto Gurdon, um órgão da Universidade de Cambridge dedicado a pesquisas em biologia do desenvolvimento e do câncer.
Shinya Yamanaka

Shinya Yamanaka espera que descobertas tenham aplicação clínica
Trabalhando em cima das bases lançadas no ano em que nasceu, Yamanaka mostrou em 2006 que bastava inserir quatro genes específicos numa célula madura para que ela voltasse a ser versátil, ganhando o nome de célula-tronco pluripotente induzida (iPS). A descoberta abriu caminhos importantes para se investigar o funcionamento de doenças e potencialmente desenvolver novas terapias. É possível, por exemplo, reprogramar células da pele de um paciente e cultivá-las em laboratório para entender como a doença se desenvolve em outros tecidos. A aplicação clínica é a motivação do laureado japonês da Universidade de Kyoto. Ele começou a carreira como cirurgião, mas se confessa pouco talentoso. Como pesquisador, ainda pensa como médico e quer ajudar tantos pacientes quanto for possível.


Leia mais na matéria de MARIA GUIMARÃES - Revista Pesquisa Fapesp com o título: Células-tronco rendem Nobel de Medicina a britânico e japonês